O SILÊNCIO DE MINHA AVÓ ME HUMANIZA

O silêncio de minha avó me humaniza. Dona Maria Eugênia. Uma mulher que do alto de seus quase 85 anos me demonstrou hoje (28.02.2010) um sentido maior pra vida. Ela me deixou em frangalhos. Sua quase total dependência dos outros não nos faz lembrar nem de longe a grande, forte, determinada e destemida mulher que com o suor de seu rosto e com muita dignidade conseguiu criar seus oito filhos. Suportou as inúmeras traições do esposo. Mas nunca demonstrou sinais de fraqueza ou esmoreceu diante das repetidas provações postas diante si pelo destino, parece que era birra, o destino não deu trégua a ela. Sempre encarou tudo com muita determinação e ousadia.

Mas, hoje, a situação é muito diferente. Depois de criar os filhos e não se dando por satisfeita resolveu criar mais um neto. Hoje, dona Maria Eugênia, mora com uma neta e é tão maltratada. Meu Deus! por que as coisas são assim? Por que neste momento tão difícil da vida, e já muito sofrida, não podia ser diferente? Por que ela não está cercada de netos, filhos e de muito carinho? Por que o destino reservou outro desfecho a ela? Como não se sensibilizar com aqueles lindos olhos azuis. Hoje eles se mostram perdidos, profundos, acanhados, cansados e às vezes penso que infelizes porque nem o tempo e nem a vida puderam ser generosos com eles, ou será que eles demonstravam súplica e eu não consigo entender? Será que já não basta todo o sofrimento que a juventude e o casamento mal estruturado pode proporcionar?

Sua vida, atualmente, resume-se em está sentada numa cadeira cheia de almofadas e ficando diante de uma TV de onde pode acompanhar a programação da TV brasileira (outro martírio, mas como ela é uma mulher que não foi apresentada as letras, pouca importância dá a isso). Já não faz mais as acostumadas caminhadas pela manhã. Os terreiros já sentem falta de sua presença constante ao alvorecer do dia. Maria, por que a vida tem te reservado dias tão penosos?

"Eu não tinha este rosto de hoje,

assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?"
Cecília Meireles

Hoje, depois de deixar meu orgulho de lado fui visitar meus familiares, só não sabia que aquela visita me traria tão profundo penar. A situação de minha vó me dilacerou o peito. No momento de minha despedida tive a certeza de que os ensinamentos dela me humanizam e podem me fazer melhor. O abraço apertado foi seguido da sensação de perca me fazendo desabar em choro. Não satisfeito, voltei, abracei-a e por alguns segundos quis colocá-la para dentro de mim. Isso demonstra proteção. Pensei que assim eu pudesse amenizar um pouco seu sofrimento. Depois me ajoelhei diante dela e com os olhos transbordando lágrimas pedi: - “se cuide, se alimente direito, tanta gente aqui por perto que pode cuidar de você”. Ela meio tímida respondeu: Se eu tivesse saúde. Ela me dizia nas entrelinhas que se ela ainda fosse aquela mulher com todas as energias da juventude, não precisaria da caridade dos familiares. Se ela soubesse que filho não faz caridade, filho tem obrigação de neste momento, quase que findo, da vida de seus pais de se sentir obrigado a cuidar deles. Isso é o mínimo que se pode fazer, porque os pais fazem muito pelos filhos. Mas neste momento este cuidado deve vir carregado de carinho, afeto, compreensão, porque nossos avós voltam a ser criança. Portanto, cabe aos filhos estenderem a seus pais a mesma dedicação que eles dedicada.

Todo este desabafo foi um alerta vindo do íntimo alertando que talvez aquele fosse o meu último encontro com minha vó em vida, dói tanto essa sensação. Essa possível perda me reduz a quase nada.

Erasmo Amorhim, aprendiz de Pedro Bial.